No meio LGBTQIA+ é comum ver pessoas receosas antes de buscar um psicanalistaou terapeuta de orientação psicanalítica. Os receios variam entre: o psicanalista buscarum motivo para a sexualidade do paciente (enquanto que para pacientesheterossexuais nunca é questionado o motivo); o psicanalista falar para um pacientegay ou uma paciente lésbica que a atração pelo mesmo sexo não é natural e por issoo/a paciente deve ter relações sexuais com o sexo oposto para confirmar se não gostamesmo; o psicanalista falar que a sexualidade do/a paciente é uma fase e que logo irápassar; o psicanalista relacionar a homossexualidade com um não amadurecimentosexual; o psicanalista correlacionar a sexualidade do paciente com um episódio deabuso sofrido na infância, entre outros (GLÓRIA, 2021).
Como podemos ver, há inúmeras formas de um psicanalista ser violento com umpaciente LGBTQIA+. Essas são apenas algumas violências que pacientes LGBTQIA+escutam em consultórios de psicólogos e psicanalistas. A Psicanálise se desenvolveuem um tempo em que não eram questionados sistemas sociais como patriarcado ecisheteronormatividade. O objeto de estudo de Freud era majoritariamente homens emulheres brancas, heterossexuais, de alto poder aquisitivo do final do século XIX einício do século XX. Engana-se quem pensa que as obras de Freud não tiveraminfluência da cultura de uma sociedade pautada na branquitude, no patriarcado e nacisheteronormatividade.
Em relação à homossexualidade, Freud inicia o texto “Três Ensaios sobre a Teoria daSexualidade” citando as “aberrações sexuais”, que correspondiam – entre outras – ahomens que se relacionavam com homens e mulheres que se relacionavam commulheres. O sujeito que tinha a escolha de objeto “normal”, era considerado“heterossexual”.
Ao tratar a Psicanálise como uma teoria puramente psicológica, corre-se o risco denegligenciar o sofrimento de pacientes que fazem parte de minorias sociais e, também,ignorar que as crenças e preconceitos dos psicanalistas podem influenciar na práticaclínica. A leitura das homossexualidades e das transexualidades como sexualidades eidentidades patológicas prejudica pacientes LGBTQIA+. Pacientes esses que, por maisque tentem se proteger, são constantemente alvo de violências, seja pela própriafamília ou pela sociedade. Não seria o consultório um lugar de acolhimento, livre dejulgamentos, em que o paciente poderá ser o seu “verdadeiro eu”, independentementeda sua orientação sexual e/ou identidade de gênero?
Assim, antes de encaixar o paciente em uma estrutura – seja neurótica, borderline,psicótica ou perversa – é importante escutá-lo na sua singularidade. Pessoasheterossexuais têm vivências distintas; por que então, ainda hoje, pacientes LGBTQIA+são vistos como uma “patologia” ou “problema” antes mesmo de “abrirem a boca”?
Por fim, fica o convite à reflexão a partir do trecho escrito pelo psicanalista ThamyAyouch:
“Trata-se de saber a quem está destinado o trabalho do/a psicanalista, enquantoclínico/a e enquanto teórico/a: ao/à analisando/a ou a ou à ordem social? A clínica dasingularidade subjetiva isentaria a psicanálise de uma reflexão sobre as implicaçõessociais e políticas dos seus dispositivos teóricos e práticos?” (AYOUCH, p. 29, 2015).
REFERÊNCIAS
AYOUCH, T. Psicanálise e Homossexualidades: teoria, clínica, biopolítica. Editora CRV,2015.GLÓRIA, A. Cuidado com mulheres lésbicas: prática clínica em psicologia. EditoraUICLAP, 2021.
Texto de Luísa Cortelletti ZeniGraduanda em Psicologia (PUCRS)Membro Associado do ESIPPMembro do Núcleo de Diversidade Sexual do VIVER
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