O que significa ser mulher em uma sociedade machista patriarcal? O que é permitido às mulheres e o que é permitido aos homens? O que é exigido de cada um? Meu viés é de alguém que se redescobriu como mulher, ao mesmo tempo em que começou a criar dois filhos meninos nessa sociedade.
“Senta que nem mocinha”, “se comporta” são frases que me lembro da minha infância. Uma sensação de que eu deveria ser boazinha, seguir o que me era pedido, e de que alguém, sempre outra pessoa, saberia qual o caminho que eu deveria tomar. Colete Dowling coloca em seu livro “Complexo de Cinderela” o quanto nos é ensinado que devemos depender de alguém, e o quanto, na maioria das vezes, não somos treinadas a lutar para encarar o mundo. Entregamos cuidado afetivo para que nos cuidem na vida lá fora. Uma bolha protegida para as meninas, em tese, mais frágeis. Ao serem cuidadas, aprendem a cuidar, e esse saber cuidar cobra o seu preço mais adiante, quando essas meninas se tornam mulheres e enfrentam sobrecarga por ter que dar conta de todos os cuidados envolvidos na estrutura familiar.
Ao me tornar mãe me dei conta do quanto a sociedade espera uma criação diferente para meninos e meninas. Como mãe de dois meninos entendi que para eles existe um encorajamento para desbravar, ser aventureiro e independente (ninguém manda os meninos sentarem de uma determinada maneira). Mas percebi também o tanto que lhes é negado e negligenciado. A possibilidade de serem sensíveis, delicados, afetivos. A possibilidade de aprenderem a cuidar ao brincar de boneca, por exemplo. O quanto é negado aos meninos a liberdade para usarem qualquer cor que desejarem. O quanto lhes é permitido expressar seus sentimentos apenas em momentos específicos, como no futebol por exemplo, e, quase sempre, de maneira agressiva.
De que forma essas limitações de gênero impostas a meninos e meninas vão moldando a subjetivação como sujeito de cada criança que está se desenvolvendo? No livro “Os meninos são a cura do machismo”, Nana Queiroz aponta que a sociedade patriarcal cria os homens com uma série de liberdades desmensuradas exceto por uma liberdade central: a de sentir e trocar sentimentos Se garante a perpetuação da opressão ao oprimir.
Nesse mês que celebra o Dia Internacional da Mulher minhas reflexões passaram muito pelo tanto de luta que ainda temos pela frente: buscando mais representatividade e expressão em cargos importantes na política, lutando por denunciar e punir comportamentos misóginos, lutando para reduzir o número de feminicídios e abusos em todos os locais ocupados por meninas e mulheres. Mas ao olhar para os meus dois meninos nesse dia, refleti também sobre a importância de pensarmos e educarmos de forma diferente os meninos de hoje, e que logo serão os homens que poderão ser nossos aliados ou opressores. É fundamental que as meninas sigam sendo incentivadas a serem mais autônomas e livres, assim como penso ser fundamental permitir aos meninos liberdade para expressar seus sentimentos, assim como incentivo para ocuparem o lugar de cuidadores. Os meus filhos tinham bonecos bebês que eles cuidavam e ninavam quando eram menores, “treinando para serem pais”, como eles diziam. Sempre puderam usar rosa, verde, roxo, colorido, brilhoso, qualquer cor que desejassem (mesmo que o comentário de que os crocs rosa escolhidos não eram coisa de menino tenha sido ouvido mais de uma vez). Nunca foram obrigados a praticar futebol quando o desejo era de fazer patinação (mesmo que só houvessem meninas na turma). E sempre puderam chorar à vontade.
Será que um mundo no qual as meninas não precisem mais sentar como mocinhas e os meninos possam dançar balé terá condições de ser um lugar mais justo para todos? Eu aqui sigo torcendo que sim.
Mestra em Cognição Humana
Membro Associado do ESIPP
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