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RELAÇÕES MÃES E FILHAS: um caminho para a feminilidade

Foto do escritor: esipppsicoesipppsico

Antes de nascer uma mãe na mulher, habita em seu corpo uma filha. Essa menina-mulher é fruto da experiência do mundo que a sua mãe foi capaz de lhe apresentar. Depois, leva consigo, inconscientemente, estas vivências para a relação com sua própria filha. Sendo assim, sabemos que a gravidez de uma mulher faz com que ela reviva suas experiências iniciais com sua própria mãe.

Ser mãe não é natural ou algo que provém do instinto, ainda que nós – seres femininos – tenhamos um corpo que comporte a gestação de um ser (e nem mesmo isso garante que sejamos mães). Ser mãe é uma função ocupada por quem exerce os primeiros e principais cuidados na vida do bebê, o qual precisa e conta com a disponibilidade sensível desta mãe que nasce junto com sua criança.

Aos que estudam a Psicanálise, rapidamente estas questões tornam-se muito claras. A mãe, portanto, é quem se ocupa com devoção às funções do maternar, é o primeiro objeto de amor da criança. É nesta relação primeira que se funda o psiquismo do bebê e, portanto, por onde iniciam as suas marcas de existência.

Ainda que a mãe seja o primeiro objeto de amor tanto para o menino quanto para a menina, e que a vivência dos primeiros anos seja igualmente importante para ambos os sexos, a relação de uma menina com sua mãe possui particularidades que não podem ser deixadas de lado.

No texto “Sobre a sexualidade feminina” (1931), Freud explorou a temática da diferença desta relação, apontando que a fase pré-edípica para a menina tem um tempo prolongado e é vivida de forma mais intensa do que para o menino, o qual abre mão do seu primeiro objeto de amor como uma escolha narcísica em ordem de preservar seu falo, encerrando assim sua conflitiva edípica.

A menina, por sua vez, não teria nada a perder ou que a incentivaria a abrir mão deste amor, colocando a menina em uma situação mais trabalhosa. Com isso, a menina ficaria sem um incentivo para abrir mão deste primeiro amor, tão intenso e ambivalente. O que poderia então fazer com que a menina abra mão da dupla amorosa vivida com a mãe, senão as decepções que vive constantemente com ela, podendo então nos dar notícias de sua singularidade?

O estudo das relações desta temática torna inevitável o encontro com tudo o que marca a semelhança e também com os nós particulares que atravessam a relação das mães com as suas filhas. Estas, seres do sexo feminino, que não possuem um representante único sobre o que é ser uma mulher. Se o falo representa o ter e, supostamente, confirma ao menino sua identidade masculina, para a menina – futura mulher – não há um equivalente: não há garantia para uma identidade feminina.

Malvine Zalkberg, psicanalista e autora do livro “De menina a mulher” (2019), aponta as dificuldades e também as possibilidades de construção na passagem da menininha à uma futura mulher, bem como seu atravessamento com o feminino. Este caminho será consequência da qualidade do olhar materno, fundante da figura feminina e de sua feminilidade.

E aqui nos cabe a famosa frase de Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher, torna-se uma.” A pequena menina acredita que sua mãe detém as chaves dos mistérios para a feminilidade e, portanto, de sua identidade. Mais do que a entrada na conflitiva edípica ou de encontrar uma saída, a menina espera de sua mãe algo que a mesma não possui. Com o passar do tempo, no caminho desta relação, mãe e filha se deparam com esta falta. É através deste encontro com a falta, com a mãe castrada, que a decepção da menina para com sua mãe pode surgir, possibilitando que cada uma possa ir em busca do que as constitui como mulheres, para além da relação da dupla. É preciso que ambas possam tecer a sua feminilidade de forma inventiva e única.

O corpo feminino encontrado pela filha no espelho do olhar da mãe sempre será constituinte. Será marca da possibilidade de que um dia a menina possa se reconhecer em seu próprio corpo: um corpo feminino. Ou seja, uma menina precisa ser vista pela mãe e reconhecida por ela como tal para, então, poder construir o seu próprio eu.

Não há perfeições no campo do maternar, mas há sim a necessidade de um trabalho contínuo rumo a abertura de caminhos possíveis para que aquele bebê possa vir a se desenvolver enquanto outro ser, recebendo afeto, cuidados e permitindo seu florescimento singular enquanto sujeito desejante e feminino.

 

Autoras: Luana Francisco e Marília Altomare, Membros Associados do ESIPP.

 
 
 

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