Quando alguém se torna terapeuta? Quando termina? Ou seria quando começa? Seria no período que fica entre o início e o fim? Se é que isso – o fim – existe quando se fala em psicanálise. Lembro que quando chegaram os primeiros livros da obra do Freud eu pensei: “agora sim!” e em seguida questionei “agora sim o quê?”. Lembro também de quando realizei a matrícula na faculdade de psicologia ter pensado o mesmo: “agora sim!”.
Nessa tendência de desejar tanto os finais corremos o risco do processo escorrer por entre os dedos. Me dei conta disso na faculdade, quando no final, fomos surpreendidos por uma pandemia que nos tirou as certezas de conclusão. Já não sabia se o ”agora sim” da formatura aconteceria e me concederia o grau de bacharel em psicologia que tanto esperava. Revisitei então alguns momentos importantes dessa construção. Lembrei dos primeiros semestres da faculdade em que nada fazia muito sentido, lembrei de como as coisas foram se acomodando dentro de mim ao longo do tempo até chegar na época dos estágios. No primeiro dia no estágio de clínica o ”agora sim” era mais um ”e agora?”. Foi quando procurei o ESIPP para começar a formação. Naquela semana fiz entrevista para formação em três instituições diferentes, mas algo do que a entrevistadora do ESIPP me disse na nossa primeira conversa fez todo sentido naquele momento. Enquanto ela me falava que a formação era feita de modo ”a seu tempo” e que eu poderia optar por fazer um, dois ou três seminários por semestre, respeitando o meu processo de aprendizagem para que eu pudesse descobrir ”o meu jeito de ser terapeuta”, eu tive a certeza de que era aquilo que eu queria. Desde então o ”quando alguém se torna terapeuta?” se transformou em ”como se tornar terapeuta?”. O ”como” retira a ideia de tempo que já não faz mais tanto sentido e coloca no lugar as expectativas de encontrar o meu jeito de ser terapeuta. Nesse processo de ”vir a ser” tenho entendido na experiência com os pacientes e nas supervisões que o tempo passa para segundo plano e que a forma de fazer se torna mais importante: como escutamos, como sentimos, como comunicamos, como entendemos, como interpretamos. Por definição o ”como” integra e acrescenta valor circunstancial; e não é exatamente isso que fazemos ao buscar como ser terapeuta? Integramos o nosso estilo e a técnica para acrescentar valor naquilo que nos propomos a fazer na clínica: auxiliar o outro no seu processo de vida. Thomas Ogden(2009) descreve que a arte da psicanálise é um processo de inventar a si mesma durante o caminho, ela é o “vir a ser”, uma experiência emocional vivida tanto para o paciente quanto para o terapeuta. Cada terapeuta é um assim como cada dupla terapêutica é uma, embora a essência da psicanálise e a técnica se mantenham. Tal como na arte em que as cores, formas e estilos carregam a subjetividade do autor, na arte da psicoterapia, definida e reintegrada por Sheyla Borowski(2003),não seria diferente. Nos construímos sujeitos a partir do olhar do outro e das trocas, por isso, agora prefiro pensar que no caminho me construo e que sigo buscando a cada 50 minutos, a cada seminário, a cada supervisão, o meu jeito de ser terapeuta, o meu vir a ser.
Entendi que muitos “agora sim” serão a continuação de outros já ditos, ressignificados na experiência e nessa caminhada de tantas desconstruções e reconstruções.
Borowski, M. Sheyla. Vulnerabilidade do terapeuta e função analítica. Revista Brasileira de Psicoterapia: 2003;5(3):319-326.
Ogden, H. Thomas. Esta arte da psicanálise. 1ªed. Artmed: Porto Alegre, 2009.
Autora: Letícia Rocha, Membro Associado do ESIPP.
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