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Uma parte nossa que se vai – uma reflexão sobre o luto do psicoterapeuta

Segunda-feira, naquele horário, ele sempre chega apressado.

Hoje não compareceu.

O que será que aconteceu?

Ele sempre avisa, não costuma faltar assim… Nunca se atrasa!

O pensamento se atravessa: “Vamos ver na próxima sessão”.

E quando não tem próxima sessão?

De repente, o horário ficou vazio. A poltrona vaga. A chamada por vídeo não ocorreu. O vazio que não se explica se concretiza quando a realidade se impõe.

Ele não aparece.

O processo terapêutico não teve seu fim e, tampouco, houve uma interrupção. O que impera é a soberana finitude. Sim, ele morreu!

Pouco ouvimos sobre o psicoterapeuta enlutado, pois muitas vezes é algo inimaginável de acontecer. Talvez, de fora, possa parecer mais simples, mas se pararmos para pensar e compreender a complexidade da situação nos deparamos com um luto não reconhecido. Acompanhamos nossos pacientes por meses ou anos, empatizamos com suas dores, comemoramos suas conquistas. E talvez nem imaginem o quanto aprendemos, o quanto são importantes para nós e o quão nos farão falta.

No caso de outros términos, seja por fim de tratamento ou interrupção, sabemos que a vida continua, o paciente ainda fará seus questionamentos, ainda estará em processo de mudança e evolução, ainda estará vivendo. Porém, o término por morte é diferente, não há uma continuidade, é um ponto final. Muitas vezes sem aviso prévio e, ao contrário do que acontece com as nossas sessões com hora marcada, não há hora agendada.

Afinal, por que o luto do psicoterapeuta é um luto não reconhecido?

Muitas vezes podemos nos perguntar: “eu posso sofrer por que perdi um paciente?” “eu posso me despedir?” “ eu posso chorar?”.

O luto não reconhecido se dá pelo fato da grande maioria das pessoas não reconhecerem o luto e a dor de um profissional pelo paciente, por isso o reconhecimento desse sentir é fundamental para que possamos nos permitir a falar abertamente sobre os sentimentos que florescem dessa perda.  O luto do psicoterapeuta é solitário, não é algo que iremos divulgar ou falar abertamente como na perda de um familiar ou amigo, buscaremos suporte nos colegas de profissão, em supervisão e no tratamento pessoal, um apoio que se dá na intimidade.

A morte de um paciente, também, pode mexer com fantasias inconscientes de onipotência e de finitude. Nos deparamos com questionamentos sobre a morte e o morrer, seja nosso ou do outro, percebemos que a vida é frágil e pode ser findada em um instante.

O psicoterapeuta enlutado, também, vivencia o processo de luto. Necessitando aceitar a realidade que está instaurada, processar a dor da perda, se ajustar a um mundo sem aquela pessoa e encontrar uma conexão duradoura com quem partiu.

Somos terapeutas, mas acima de tudo, somos pessoas com dores e fragilidades, necessitamos de apoio, cuidado e amparo.

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